domingo, junho 14, 2009

64 - Doce

A Srta. Lynch... srta. Lynch. O “senhorita” já fazia parte do nome dela, e parte dela mesma. Acho que ela nunca mais será capaz de extirpá-lo. O nariz dela fica mais vermelho a cada ano, mas é sinusite, não bebida.

- Bom dia, Ethan – ela disse. – Está comemorando alguma coisa?

- Ele me arrastou para cá – respondi, e então, como que fazendo um exercício de simpatia, acrescentei: - Annie.

A cabeça dela se voltou como se tivesse ouvido um tiro e então, quando absorveu a idéia, sorriu e, sabe o quê? Ficou com a mesma cara que tinha na quarta série, o nariz vermelho e tudo.

- É bom vê-lo, Ethan – ela disse e assoou o nariz com um guardanapo de papel.

- Quando ouvi, fiquei surpreso – Morph disse. Puxou o papel do cubo de açúcar. Tinha as unhas feitas. – A gente tem alguma idéia, então ela se fixa e a gente fica achando que é verdade. Levamos um susto quando descobrimos que não é.

- Não sei do que você está falando.

- Acho que eu também não sei. Estas embalagens são uma desgraça. Não sei por que simplesmente não os colocam soltos em uma tigela.

- Talvez porque aí as pessoas vão usar mais.

- Acho que sim. Conheci um sujeito que ficou um tempo comendo só açúcar. Ele ia ao Automat. Pagava dez centavos por uma xícara de café, bebia a metade, enchia de açúcar. Pelo menos não morreu de fome.

Como sempre, fiquei imaginando se o sujeito não seria o próprio Morph: um homem estranho, durão, sem idade e com unhas feitas. Acho que ele era um homem bastante educado, mas só por causa da sua maneira de agir e de seu modo de pensar. Sua erudição se escondia em um dialeto de palavras de baixo calão, a linguagem dos iletrados inteligentes, duros e exibidos.



O Inverno da Nossa Desesperança


Título do original em Inglêsl: The Winter of our Discontent

Autor: John Steinbeck (1902 – 1968)

Livro de 1962

Tradução: Ana Ban

Editora L&PM Pocket – Inverno de 2007




Este é o último livro que li. Como sempre falei muita besteira, vivo pedindo desculpas ou atualizando minhas impressões a cerca das coisas. Sendo assim, lá vai mais uma correção: eu gosto dos escritores americanos. A ignorância é uma doença cuja vacina deve ser ministrada diariamente. O mais importante é começar o tratamento cedo.


Tenho até medo de comentar este livro, mas sei que algumas pessoas gostam que eu o faça (acho que só você, Miau), por isso vou me arriscar.


O que mais me chamou a atenção neste livro foi o caráter despretensioso que o autor imprime, mesmo quando trata de assuntos muito profundos. O engraçado é que esses assuntos são as coisas corriqueiras, o cotidiano, mesmo porque, a falência de nosso mercadinho nos atinge muito mais do que a morte de milhões de desconhecidos do outro lado do planeta (isso em termos práticos, não me achem insensível).


Outra coisa que me marcou foi a construção dos personagens, principalmente o principal; Um personagem diferente transforma o livro em divã. Nele, serão discutidos os pequenos problemas do cotidiano que são o verdadeiro pano de fundo das grandes tragédias. Um livro sobre honestidade, sobre trabalho e sobre valores que são tão proclamados pela sociedade quanto incompatíveis à sua própria estrutura.


Desculpem qualquer coisa. Hoje é domingo e eu já tomei uma cerveja.



Marullo - personagem do livro.

6 comentários:

miau disse...

taí, gostei mais, muito mais, do seu comentário que da ilustração (que gostei bastante), aquele é mais útil que esta.
E, com certeza, lerei.
Gostei deste post do começo ao fim.
Abração.

Mara disse...

Eu te amo muito mais!
Agradeço por toda a influência artística e pela paciência, já que meu tempo é outro.

Beijos.

Roberta da Purificação disse...

o senhor poderia conceder uma entrevista para o meu blog? sobre um livro que te fascinou... assim, quando o prezado escritor ficar famoso, já terei um registro de sua trajetoria... (serio mesmo hein?)

Cristian disse...

Minha lista de livros a serem lidos vai diminuindo... aos pouquinhos, claro! Sou uma lesma na leitura, mais por tentar fixar sempre a história sem perder o fio da meada... se perco o foco, volto e leio de um determinado ponto. Ainda estou naquela série de clássicos da literatura, mias especificamente no 8º círculo do inferno da Divina Comédia. Moby Dick é um desafio que ainda não consegui ultrapassar as 30 primeiras páginas!

Anônimo disse...

adorei a linguagem dos iletrados inteligentes. muito bom comentário, apesar de eu ter certeza de que não concordarei se eu ler o livro. não por algo específico desta sua opinião, mas porque não raramente divergimos quanto a outras obras. infelizmente não me agradou a barata horrenda, apenas por gosto pessoal, o mérito artístico é inequívoco.

um abração,
johnny

Anônimo disse...

Gosto de Steinbeck. Não li esse livro, mas o comentário ficou legal. Dá vontade de ler,inclusive. :) Beijão procê e Fabi.